Pesquisadoras da Fiocruz Amazônia tiram dúvidas sobre esporotricose
“O Brasil é o país com o maior número de casos de esporotricose felina no mundo. A doença ocorre no sul e sudeste do país há 21 anos e na região nordeste há 5 anos. É uma doença negligenciada e somente de notificação compulsória em alguns municípios específicos”, o alerta é da pesquisadora em Saúde Pública e membro do Laboratório Diversidade Microbiana da Amazônia com Importância para a Saúde – (Dmais) do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Ani Beatriz Matsuura.
A recente confirmação de casos de esporotricose em Manaus preocupa pesquisadores, médicos veterinários e autoridades diante da necessidade de adoção de medidas de prevenção e cuidados que a população deve ter para evitar o avanço da doença.
Sobre o assunto conversamos com Ani Beatriz Matsuura e com a pesquisadora e médica veterinária Alessandra Nava, do Laboratório Ecologia de Doenças Transmissíveis na Amazônia (EDTA-Fiocruz Amazônia).
O que é a esporotricose e o nome do fungo que a causa?
Ani Beatriz Matsuura – A esporotricose é uma infecção fúngica subcutânea causada pelo fungo Sporothrix. A forma clínica mais frequente é caracterizada por múltiplas lesões cutâneas tanto no ser humano como em animais, principalmente em gatos.
Antigamente o agente causador era o Sporothrix schenckii. Essa espécie é considerada um fungo patogênico de baixa virulência. Em 2007, foi descrita uma nova espécie, o Sporothrix brasiliensis, que atualmente é responsável por mais de 90% dos casos de esporotricose humana e felina no Brasil. S. brasiliensis é considerada uma espécie mais adaptada ao parasitismo em mamíferos do que S. schenckii.
Quais as características desse fungo e onde ele pode ser encontrado?
ABM – Por mais de um século, a esporotricose foi descrita como uma doença ligada a atividade ocupacional, como agricultura ou jardinagem. O fungo está na natureza, no solo, em plantas ou madeira, principlamente a espécie S. schenckii. Mas os pesquisadores ainda não encontraram S. brasiliensis em solo. No entanto, essa espécie é a mais envolvida na transmissão da doença de gato para gato e também do gato para a pessoa. Ainda não se sabe porque os gatos tem uma alta susceptibilidade a infecção de Sporothrix brasiliensis.
O fungo Sporothrix é dimórfico, que quer dizer que ele se apresenta de duas formas. Quando ele está na natureza ou quando é cultivado em laboratório a temperatura ambiente (de 25C a 30C) ele apresenta filamentos, mas quando é colocado a 37C ou está infectando o animal ou a pessoa, ele passa para a forma de levedura (forma unicelular).
A colônia na temperatura ambiente é numa cor acinzentada e apresenta crescimento lento. Quando é feito o cultivo para ver se o fungo está na amostra biológica coletada é necessário aguardar pelo menos 5 dias até se observar o crescimento. Mas esse tempo pode ser maior. Em geral se acompanha o cultivo até 30 dias. Só depois desse tempo, se não houver crescimento, que a cultura é considerada negativa. Microscopicamente se observa filamentos e estruturas reprodutivas (conidióforos com conídios) em forma de flor (margarida).
Como se dá o contágio?
ABM – O contágio ocorre por inoculação do fungo através de um ferimento causado por um espinho, solo ou material orgânico em decomposição contaminados, ou por arranhões e mordidas de gatos doentes com o fungo. Raramente o contágio pode ser por inalação dos esporos do fungo.
Os gatos desempenham um papel fundamental como fonte de infecção porque tem uma grande quantidade de células de levedura nas lesões cutâneas e foi verificado a presença do fungo nas garras e na cavidade oral de animais doentes.
O humano pode transmitir a esporotricose ao animal?
ABM – Na teoria poderia. Mas não é o que tem acontecido. Caso a pessoa tenha uma lesão não tratada e se o gato arranhar essa lesão, o animal poderia ficar com as células do fungo nas suas garras e assim se infectar. Mas a quantidade de células do fungo em lesões de humanos é em menor quantidade do que nos gatos, o que diminui essa possibilidade. O que se tem observado é a transmissão do animal doente para o humano.
Quais cuidados se deve ter para evitar a transmissão da doença?
ABM – Quem tem animal com lesões precisa tomar muito cuidado quando for manipular o gato para não acontecer arranhões ou mordidas e nem tocar as lesões cutâneas sem a mão estar protegida com luvas. Caso a pessoa seja arranhada é importante lavar a região com sabão e procurar assistência médica.
Precisa separar animal doente dos animais saudáveis.
A caixa de transporte precisa ser limpa com água sanitária, assim como qualquer ambiente onde o animal fique.
Manter os animais em casa.
Fazer o tratamento seguindo as recomendações do veterinário até o animal ser considerado curado.
Caso o animal morra ele precisa ser incinerado e não jogar em qualquer lugar. O fungo que está no animal morto doente vai ficar no solo e deixar o ambiente contaminado e poderá infectar outros animais.
A esporotricose tem cura?
ABM – Sim. Existe tratamento para a esporotricose e cura. Tanto para o animal quanto para os humanos. O importante é procurar um médico ou veterinário assim que aparecer qualquer lesão e não deixar progredir.
Abandono de animais
O abandono de animais preocupa Alessandra Nava, que chama a atenção para a necessidade de diagnóstico correto e tratamento adequado para o animal acometido pela esporotricose.
No Amazonas não havia incidência da esporotricose, o que pode ter acontecido para o surgimento da doença em Manaus?
Alessandra Nava – É um fungo de distribuição mundial que está no ambiente de ocorrência em climas tropicais. Ele não surgiu em Manaus, já estava no ambiente e as condições que colaboraram com o surto é o grande abandono de animais e a desinformação da população quanto à urgência em castrar absolutamente os animais.
Quais animais podem ser atingidos por esse fungo?
AN – Todos animais, porém os gatos desenvolvem formas mais virulentas e de maior infectividade.
Ele se manifesta somente em ambiente urbano e em animais domésticos?
AN – Tem relatos de caçadores adquirirem esporotricose ao se arranharem com tatu durante a caça.
O que fazer ao se suspeitar da doença em um animal doméstico?
AN – Levar o animal para o médico veterinário diagnosticar. O diagnóstico correto, o tratamento adequado e o cuidado ao tratar esse animal acometido, mantendo-o dentro de casa, bem nutrido e isolado dos outros animais durante tratamento, resolvem o problema.
Qual a media de tempo do tratamento da doença nos animais?
AN – 2 meses a 1 ano .
Em Nota Técnica a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa) disponibiliza os telefones 0800 280 8 280 (de segunda a sexta-feira, no horário comercial) ou (92) 98842-8359/98842-8484 e e-mail cczcidadao@pmm.am.gov.br, para orientações aos donos de animais com suspeita da doença.