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Exclusivo: mulher que denunciou Felipe Prior por estupro dá detalhes da noite do crime

A Justiça de São Paulo condenou o ex-BBB Felipe Prior a seis anos de reclusão pelo crime de estupro. O regime inicial de cumprimento de pena foi definido como semiaberto, e o arquiteto poderá recorrer da decisão e responder a todo o processo em liberdade.

Em nota, os advogados de Prior disseram: “a defesa de Felipe Antoniazzi Prior reitera a inocência de Felipe e que a sentença prolatada pela 7ª Vara Criminal de São Paulo será objeto de recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo “

Antes do crime

Themis* conheceu Prior ainda na idade escolar, durante um ano letivo em que estudaram no mesmo colégio. Depois, voltaram a conviver quando ela ingressou no curso de arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, no Centro da capital paulista. Apesar disso, ela afirmou que nunca teve um vínculo de amizade com ele, já que cursavam períodos diferentes.

(*nome fictício adotado pela defesa a fim de preservar a identidade da vítima)

“A gente começou a ter contato por conta de uma colega minha, de sala, que também estudava na Zona Norte, né? Todos nós morávamos na Zona Norte. Ela conversou com ele e sugeriu de a gente fazer um esquema de caronas pagas, já que a gente morava perto”, explicou.

Segundo ela, o esquema de caronas durou cerca de seis meses e se encerrou em razão da incompatibilidade dos horários de trabalho de ambos.

“O Prior não é o tipo de homem que eu me sinto atraída. Eu nunca tive nenhum interesse nele. Ele é uma pessoa que nem como homem nem como amigo me interessa. Ele sempre teve um perfil na faculdade e escola de ofender as pessoas, [fazer] piadas de mau gosto, sabe?”.

A madrugada do crime

No dia 8 de agosto de 2014, Themis foi com uma amiga a uma festa universitária que antecedia o InterFAU, competição esportiva em que participam diversas turmas de faculdades de Arquitetura e Urbanismo do estado de São Paulo. O evento aconteceu na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP).

“A gente bebeu, eu tinha terminado o namoro fazia uns dois, três meses. Ela também tinha terminado o namoro recentemente. A gente estava meio curtindo uma fossa, mas estávamos juntas.”

“Na hora de ir embora, cruzei com o Prior e falei: ‘Ah, oi, tudo bem? Mas já estou indo embora’. E ele: ‘Ah, também tô indo, você quer uma carona?’. Aí falei: ‘Tá bom’. Minha amiga também morava na Zona Norte”, conta.

Themis disse que, a princípio, não suspeitou de nada porque já conhecia Prior há bastante tempo: “Eu já tinha pegado carona com ele diversas vezes, não me parecia um risco, que algo pudesse acontecer”.

O crime

“A gente estava voltando da festa, ele deixou primeiro a minha amiga na casa dela. Quando a gente estava indo sentido à minha casa, ele parou o carro no meio da rua, desafivelou meu cinto, começou a me beijar. A rua estava muito escura, já era de madrugada. Ele foi para o banco de trás e me puxou. E eu fui”, relembrou Themis.

“Começou a tirar minha roupa e, à medida que as coisas iam acontecendo, ele se tornava cada vez mais agressivo comigo. Eu falei ‘Felipe, eu não quero, não quero’, e ele continuou insistindo, continuou tirando a minha roupa e começou a penetração. Cada vez que eu falava que eu não queria, ele se tornava mais agressivo. Eu comecei a tentar resistir fisicamente, e ele começou a puxar meu cabelo. Começava a me segurar pelos braços, me segurar pela cintura. Proferiu umas frases muito… Passaram 9 anos e, tipo… Ele começou a falar para eu parar de me fazer de difícil, que é claro que eu queria, que agora não era hora de falar que não e começou a forçar a penetração.”

Quantas vezes eu preciso falar não para a pessoa entender que ela está me machucando, que ela está me violentando?”, questionou. 

“E aconteceu a laceração, que foi bem doloroso. Eu gritei. Começou a sair muito sangue. E eu comecei a gritar de dor, e aí ele parou imediatamente, falou: ‘O quê que é isso?  E eu, tipo, não sabia o que estava acontecendo, estava muito assustada. Só fui pegando minhas roupas e tentando estancar o sangue. Aí ele perguntou se eu queria ir para o hospital. Falei que não, que eu só queria ir para minha casa.”

“Ele é muito mais forte que eu. Não tinha como sair dessa situação… De madrugada, bêbada, com pressão baixa, e ele controlando o meu corpo, os meus movimentos, fazendo o que ele queria fazer, sabe? Você só quer que aquela situação acabe”, contou Themis.

“[Ver o sangue]  foi o susto que ele teve que levar para parar a situação. Fez uma poça de sangue no carro dele, nele. Sinceramente, acho que ele ficou mais preocupado com o carro dele do que comigo. Depois, ele foi para o porta-malas, ficou pegando pano e tentando limpar o carro. Eu tampei minha ferida com as minhas roupas. Eu senti uma dor que eu nunca senti antes.

Depois do crime

Ao chegar em casa, Themis disse que foi direto para o banheiro e tentou estancar sozinha o sangue, mas não conseguiu, porque estava com a pressão baixa. “Fui acordar minha mãe e pedi para ela me ajudar. Ela deu uma olhada no machucado, levantou e falou: ‘A gente vai para o hospital’.”

Na unidade de saúde, a jovem foi atendida por uma médica que atestou o ferimento: uma laceração de grau 1 — compatível com fricção de pênis ou introdução de outro instrumento na vagina, segundo o prontuário médico ao qual o g1 e o Fantástico tiveram acesso.

“A médica me perguntou diversas vezes. Perguntou para minha mãe o que de fato tinha acontecido. Que lá era um lugar seguro, que eu podia confiar nela, que era necessário falar a verdade, mas eu não quis falar. Falei que tinha sido um namorado. Eu estava com vergonha, medo”, disse.

No dia seguinte, por uma rede social, Prior mandou uma mensagem para Themis perguntando como ela estava. Ela pediu para ele que não contasse a ninguém o que havia acontecido naquela noite.

“E a gente nunca mais se falou. Essa foi a última vez que a gente se falou. Na vida”, afirmou.

Três anos depois, caiu a ficha: ‘Ele tinha me estuprado’

“Em 2017, se não me engano, começou um movimento do Me Too, que bombou na internet. Eu comecei a entrar em contato com todos esses relatos, essas denúncias de mulheres, e consegui conversar com as minhas amigas sobre isso. Foi quando caiu a ficha que eu tinha sido estuprada”, disse Themis. 

“Foi quando realmente caiu a ficha de que não era minha culpa. Que não era minha responsabilidade. Que eu não tinha feito nada de errado e que ele tinha me estuprado.“ 

BBB 20 e a denúncia

Felipe Prior foi o 10º eliminado do Big Brother Brasil 20, no paredão mais votado da história do programa — mais de 1,5 bilhão de votos. Quando o arquiteto apareceu na televisão, Themis voltou imediatamente para a madrugada do dia 8 de agosto de 2014.

“Eu tive uma crise de ansiedade esse dia. Eu estava com meu companheiro, que hoje é meu marido. Vi o rosto dele [Prior] pela primeira vez em muitos anos. Tudo o que remetia a ele, eu apaguei da minha vida. E eu vi o rosto dele, aquilo me causou um choque muito grande, um medo de novo.”

Segundo ela, a decisão de denunciar Prior depois de seis anos do crime se deu depois que começou a receber das amigas prints de tuítes de outras mulheres relatando que já haviam passado por situações muito semelhantes.

“Parece um absurdo hoje, quando eu olho para trás, pensar que eu achava que eu tinha sido a única pessoa que tivesse passado por isso. Quando vi todos os relatos, as denúncias, aquilo me chocou de tal forma que eu falei: ‘Esse cara tem que ser denunciado. Esse cara tem que pagar pelos crimes que ele cometeu”, destacou.

Alívio pela condenação

Themis disse que sentiu um alívio muito grande quando soube da condenação de Prior. “Confio muito na capacidade das minhas advogadas, todo o trabalho que elas fizeram nesses três anos e meio, mas eu tinha medo de perder esse processo pelo contexto que a gente está vivendo no mundo”, revelou.

“Foi uma vitória. Não só para mim, foi uma vitória para todas as mulheres que também passam e passaram por essas situações. A justiça foi feita”, pontuou.

As responsáveis pela defesa da vítima foram as criminalistas Maira Pinheiro e Juliana Valente. Além do processo em que Felipe foi condenado, elas atuam em outros três casos de estupro em que o arquiteto é investigado, ocorridos em 2015, 2016 e 2018, sendo que ele é réu em um deles.

“Elas todas descrevem casos que seguem modus operandi similar: ele aborda meninas alcoolizadas, em geral com 20 e poucos anos e franzinas. Insiste para investidas sexuais, é recusado. Aí a dinâmica assume contornos fisicamente violentos, de contenção física. Uma coisa que a gente notou também foram as falas: ‘Eu sei que você quer’ e ‘Para de se fazer de difícil’. Elas aparecem nos diferentes casos”, informou Maira.

O homem ouve o não, percebe a vítima ali, chorando, gritando para parar, se esquivando, e continua utilizando de sua força física para cometer esse ato tão brutal.  Trata como se fosse uma relação sexual o que, na verdade, é um estupro”, disse Juliana.

‘Ele pegará no mínimo 24 anos de condenação’, diz advogada

Juliana Valente informou que, em relação às outras três denúncias, Prior já se tornou réu em uma e que as outras duas estão em fase de investigação por parte da Polícia Civil.

A advogada espera que ele também será condenado em todos os casos e que suas penas, somadas, alcancem 24 anos de prisão:

“Acreditamos que ele pegue uma pena maior nesses outros casos. Se for na pena mínima, no mínimo, 24 anos de prisão, o que a gente tem plena convicção que vai acontecer. Essas vítimas, depois de tanto sofrimento, vão conseguir o mínimo da Justiça, porque essa dor nunca vai ser reparada.”

Themis e a coragem feminina

Maira contou que as quatro mulheres que denunciaram o arquiteto por estupro receberam pseudônimos de divindades femininas a fim de preservar suas identidades ao longo do processo: Themis, Freya, Ísis e Diana.

“Foi uma escolha deliberada para celebrar a coragem e a força das mulheres que decidiram enfrentar esse agressor. Nenhuma delas queria ter a imagem atrelada ao pior momento de sua vida. Escolhemos pseudônimos que honrassem a luta delas”, explicou.

Themis contou que decidiu dar a entrevista e relembrar toda a angústia porque sabe a dificuldade de passar pela situação que passou, de lidar com a dor e de conseguir ter coragem para denunciar homens que violentam as mulheres.

“Eu quero que seja feita justiça. É a única coisa que me interessa. Que as pessoas saibam o que ele fez.  Para mulheres se preservarem de homens que são criminosos como ele. Espero que minha história seja mais uma história de incentivo à mudança e à transformação. Sempre vai ser uma ferida aberta. Nunca vai passar. O que eu posso fazer com ela hoje é mostrar para o mundo que nenhuma mulher merece ter uma ferida dessas. É o que eu aprendi a fazer”, disse ela.

O que diz a defesa de Prior

Procurados pelo g1 e pelo Fantástico, os advogados de Felipe Prior enviaram a seguinte nota:

“A defesa e o próprio Felipe seguem plenamente confiantes no Poder Judiciário brasileiro e, assim, na reforma de sua injusta condenação, visto que restou patentemente demonstrada a inocência de Felipe pelas provas apresentadas no bojo processual, que, lamentavelmente, vêm sendo ventiladas de forma deturpada e em desrespeito ao segredo de justiça decretado em relação à tramitação processual – fato este que, também, será objeto das providências legais pertinentes.

Reafirmando-se a plena inocência de Felipe Antoniazzi Prior, sua defesa informa que, no momento oportuno e através de alguns veículos, Felipe se manifestará esclarecendo os fatos distorcidos e inverídicos apresentados como resposta para os demais veículos de comunicação.”

Condenação

A sentença da 7ª Vara Criminal da capital destaca que o processo foi complexo — tendo a necessidade de ouvir 19 pessoas. Além disso, a magistrada que assinou a decisão afirmou que tanto os depoimentos das vítimas quanto os das testemunhas foram coerentes e, ao lado das provas apresentadas, formaram um conjunto robusto para que Prior fosse condenado ao crime.

A defesa das vítimas recebeu a notícia da condenação “com muito alívio, por vermos nela o reconhecimento da relevância da palavra da vítima e do robusto acervo probatório que apresentamos. Foram três anos e meio de trabalho, muita investigação até localizarmos as vítimas e testemunhas que contribuíram para que o agressor fosse condenado”.

“Esperamos que essa condenação encoraje outras mulheres sobreviventes a romperem o silêncio e buscarem justiça”, enfatizou o grupo.

“Em que pese a qualidade técnica da sentença, entendemos que a pena imposta não reflete a brutalidade e as consequências do crime, por isso iremos recorrer em relação a esse a aspecto”, afirmou a criminalista Maira Pinheiro, uma das advogadas da vítima.

Em nota, a defesa de Prior disse que recebeu as informações da sentença pelos meios de comunicação e que a decisão “será objeto de apelação, face a irresignação de Felipe Antoniazzi Prior e de sua Defesa, que nele acredita integralmente, depositando-se crédito irrestrito em sua inocência e de que, em sede recursal, lograr-se-á sua reforma, em prestígio à Justiça, reconhecendo-se sua legítima e verdadeira inocência, que restou patentemente demonstrada durante a instrução processual”.

“Reafirmando-se a plena inocência de Felipe Antoniazzi Prior, repisa-se ser esse seu status cívico e processual, a luz da presunção de inocência, impondo-se a ele, como aos demais cidadãos em um Estado Democrático de Direito, como o pátrio, respeito, em primazia ao inciso LVII, do artigo 5°, da Constituição Federal brasileira que preconiza que ‘Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’, para que não se incorra em injustiças, como muitas já assistidas, infelizmente, em nosso país”, diz o texto.

*Informações G1

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